
Danielle Rech (Danielle Gonçalves Rech Mazzorana) é uma artista das palavras. Nasceu em Tubarão (SC), mora em Curitiba (PR) e é mãe de dois meninos. Licenciada em ciências sociais e mestra em antropologia social, é autora do livro de poesia Três miomas e possui publicações em revistas digitais. Organizou e possui poemas na antologia Nove meandros e participou de diversas outras obras coletivas. Faz parte dos coletivos Marianas, Vozes Escarlate, Mulherio das Letras Paraná e RuídoRosa.
Alguns textos da autora
Tradução
Um corpo áspero em ruínas
bombardeado em terras minadas
poucas palavras, muitos fantasmas
corre pelas savanas da infância
seduzida por tua valentia
te olho à distância
perscruto
mapeio outro mundo, linguagens
anseio por longas viagens
tento teu dialeto
por um minuto, te entendo
mas tu te turvas
em silêncios
fascinada por teu idioma
com delicadeza, insisto
de ti não desisto
busco a tradução dos teus escombros
Publicado em Três miomas, pela Editora Urutau.
Tentativa de inscrever uma presença-ausência
no dia em que o sol nasceu morto
uma presença aguda cessou seus batimentos
insisto em não me lembrar quando
menos de nove meses em sete anos
e aquele coraçãozinho intenso
já não mais acompanhava
as batidas das asas do beija-flor
que pousou sobre meus ombros
um pequeno amontoado de células
partes indiscerníveis aos olhos
um corpinho-garatuja frágil
envolvido por uma colcha
feita dos meus retalhos
meu mundo era só silêncio
sem sintaxe, sentidos ou língua
agarrei-me à parede morta
mesmo ferida-aberta
eu estava de pé
meu corpo ainda existia
eu mesma efêmera
por minhas pernas trêmulas
o sangue espesso escorria
até encontrar o chão
um rebaixamento na superfície
um vão me continha
ouvi dizer que havia um lugar
a abrigar seus pedaços desterrados
um frasco frio
meus olhos não tiveram a valentia de olhar
preferi fazer um abrigo
na escuridão da noite infinita
meu corpo um terreno vazio
terra sem vida pós-queimada
infértil, amontoado de cinzas, sem água
passo então a construir sozinha
sem saberes de construção civil – os saberes me faltavam –
uma casa precária
um território-relicário pra descansar
repousar a cabeça e o coração desolado
– o meu ainda batia, não com o mesmo ardor –
tentativa de irrigar o inabitado
com meu entorpecimento sem lágrimas
ocupar o vazio do sol frio
com um poema incompreensível
suportar o que não tem nome
a brutalidade da perda das palavras
a dor que estraçalha
e teima em não se inscrever
no papel com linhas
Publicado em Nove meandros, pela Editora Donizela.
QUINTA-FEIRA, 18 de MAIO: o sol da manhã não apareceu. Não veio envolver seus raios em torno do meu corpo enquanto dançamos movimentos-intuição. Sessão com a psicanalista. Exaurida. Desenrolamos uma dança intensa com o brandir de símbolos densos. Tocadas profundezas, estou subterrânea. Ticê me observa. Acessei cantos sombrios, esquecidos, de invernos brutais. Uma dança híbrida. Trágica: memórias, dores-fósseis, rostos em sofrimento criam movimentos-melancolia. E turbulenta: afetos frenéticos, corpos se debatem em angústia no salão da minha psique. Sinto falta de uma brisa-bálsamo no rosto durante uma dança inventada ao ar livre. Dançava na beira de um penhasco. Pulei em um abismo-ponta-de-faca. Meu íntimo. Meu corpo rasgado não quer ir pro mundo. Encolho-me sangrando debaixo de folhas sem vida. Quebradiça. Fico com meus restos. Recolho-me em meu corpo-estação-noite.
Publicado no e-book Diários afluentes: 7 dias, 14 mulheres, pelo coletivo RuídoRosa.
Livros
Três miomas (Urutau, 2022)
Pode ser adquirido no site da editora ou diretamente com a autora.
Coautoria
Quem dera o sangue fosse só o da menstruação (Urutau, 2019)
Quam sacer cruor (Hecatombe, 2021)
Vozes Escarlate (Hecatombe, 2021)
Anônimo não é nome de mulher (2022)
Raízes: Brazilian women poets in translation (Venas abiertas, 2022)
A mulher não sou eu (Mondru, 2023)
Nove meandros (Donizela, 2023)
Marianas 10 (Anadara brasiliana Edições/Donizela, 2024)
Ampliando horizontes – poemas (Máquina de escrever, 2024)
Intolerância: da fé à fúria (Donizela, 2024)
Salubria: saúde mental das mulheres (Donizela, 2024)
Mulherio das Letras Paraná – poesia (Anadara brasiliana Edições/Donizela, 2024)
Diários afluentes: 7 dias, 14 mulheres (Coletivo RuídoRosa)
Saiba mais sobre Danielle Rech
Publicado por: Tânia d'Arc
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