Melissa Reinehr
- Coletivo Marianas
- 16 de mai.
- 3 min de leitura

Melissa Reinehr é escritora e terapeuta com formação em ciências da linguagem, artes cênicas, letras, ensino de língua e cultura francesa e interculturalidade. Fez especialização em análise corporal e comportamental e tem experiência com ensino e pesquisa de história e cultura afro-brasileira. É idealizadora do Sare Spa e da Editora Autoral.
Um texto da autora
A casa da mulher
Desperta pelo sol, a mulher sorri e se espraia, lenta, prestes a desabrochar. Ela pensa na agenda do dia e nos espaços vazios que vai criar, tempos sagrados para si e para as outras. Respira fundo e se levanta. Se espanta, de novo, com o reflexo tranquilo no espelho. O rosto profundamente marcado. Cada linha, uma batalha. Cada olhar, uma promessa. Ela segue o vento até a cozinha e, enquanto prepara o café, mergulha na textura das cores, respira aromas, se acolhe e sorve cada gota de prazer, sentindo a quentura se espalhar.
Em meio às delícias matinais, ela percebe aquela pontada de dor aguda, que invariavelmente aparece. É a sequela do tempo em que as manhãs já começavam exauridas. Anestesiada e compulsiva, a mulher trabalhava sem pausa. O corpo berrava, a mente ignorava e ela seguia. “Mais um pouco”, dizia, e esse “pouco” se estendia até ela desmaiar, ao fim dos dias, aborrecida. O corpo berrava mais. A mente reprimia. A mulher anestesiava e seguia. “Mais um pouco”. E guardava, escondia, engolia, aceitava e sorria… Pouco a pouco, ela represava um fundão enlameado dentro de si. No fundo sabia que, por mais forte que fosse, nenhuma barragem conteria para sempre tanto lixo.
Foi muito rápido, de repente, feito enxurrada tóxica, cabeça d’água suja no rio da vida. A doença – firme, sábia, severa – assumiu o controle. Sem pedir licença, arrastou seu corpo para a cama. Fez por ela o que ela não se permitia: parar.
Uma lufada fresca de gratidão lhe afaga a alma, quando o coração sussurra: A dor está só fazendo uma visitinha! Para lembrar. Você não tem mais aquela rotina.
No auge do desastre, a mulher encontrou algo luxuoso que, por muitos anos, esqueceu que existia: seu coração pulsante que há muito ela não via. Foi um reencontro apaixonante. Um convite irrecusável. Resultou em casamento! E com a convivência, vieram a saúde, o entusiasmo e a alegria. Por isso, a mulher sorri: está prenhe de novo! Gesta uma nova vida.
Desde o casamento, sua mente e coração vivem juntos no corpo, que ainda guarda marcas da tragédia. Mas já está sendo reflorestado, feito santuário natural. Fornece todos os unguentos que a mulher precisa para curar as suas e outras, feridas. Está cada dia melhor. Pois se nutre e banha, de corpo e alma, todos os dias, em largos rios de afeto. Segue firme, vigorosa e plena, desde que disse “sim” para si mesma. Agora ela não sobrevive para trabalhar. Ela simplesmente vive. E volta para a sua casa, onde ama, é amada e retorna, revigorada. Faça chuva ou faça sol. Como ela fica? Exausta? “Não”, diz ela, “eu sou o meu próprio SPA.” Cedo ou tarde, todas voltamos para esse espaço interno, o corpo, nosso próprio lugar.
Publicado em Suja, pela Editora Donizela.
Livros
Entre o corpo e a caneta (Editora Autoral, 2025)
Coautoria
Coleção de minilivros artesanais (2013)
Poemas para o santo negro (Humaita, 2014)
À congada com carinho (Humaita, 2014)
Afrolapeanos: crônicas manifestos e pensamentos azeviche (Humaita, 2015)
Afrocuritibanos: crônicas manifestos e pensamentos azeviche (Humaita, 2015)
Afroparanaenses: fragmentos da presença negra na história do Paraná (Humaita, 2016)
Mulheres de Axé (Humaita, 2017)
Caderno pedagógico: oralidades afroparanaenses (SEED/Humaita, 2018)
História e cultura afro-colombense: rompendo o consenso da invisibilidade e a visibilidade do consenso (Humaita, 2019)
Tempo é rei em Curitiba (Humaita, 2021)
Afroparnanguaras: subsídios para um roteiro histórico, turístico e educacional (Humaita, 2022)
Tempo é rei em Curitiba – 2ª ed. (Humaita, 2023)
Oralidades afro-paranaenses – 2ª ed. (Humaita, 2023)
Histórias que vi, vivi e ouvi (Associação Literária Lapeana, 2014)
Abordagem histórica sobre a população negra no estado do Paraná (SEJU, 2018)
Genocídio negro na Alemanha nazista (Museu do Holocausto de Curitiba, 2019)
Suja (Donizela, 2025)
Saiba mais sobre Melissa Reinehr
Publicado por: Tânia d'Arc
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